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EFEMÉRIDES

Aconteceu a 30 de novembro de 1935



Morte de Fernando Pessoa

A 30 de novembro de 1935, Portugal em particular e a literatura universal em geral perdem um dos seus maiores vultos: Fernando Pessoa.

É considerado, ao lado de Luís de Camões, o maior poeta da língua portuguesa.

Fernando António Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa, a 13 de junho de 1888 mas foi educado na África do Sul, numa escola católica irlandesa, o que lhe possibilitou um domínio absoluto da língua inglesa para além do idioma materno.

Das quatro obras que publicou em vida, três são na língua inglesa.

Traduziu para português obras de vários autores da literatura inglesa, nomeadamente Shakespeare e Edgar Allan Poe e verteu para inglês obras de autores portugueses, com especial destaque para António Botto e Almada Negreiros.

A sua capacidade em se desdobrar em várias entidades permitiu-lhe criar diversos heterónimos, cada um deles com a sua própria personalidade, tais como Alberto Caeiro (um camponês guardador de rebanhos), Ricardo Reis (um clássico/helenista) e Álvaro de Campos (um engenheiro naval vocacionado para as tecnologias).

A Mensagem é a sua obra mais lida e estudada.

Excertos da sua obra

A 8 de março de 1914, «acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, «O Guardador de Rebanhos». E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro».

Fonte: Fernando Pessoa, Correspondência (1923–1935), Assírio & Alvim, 1999, p. 343

O Guardador de Rebanhos

I

Poema Eu Nunca Guardei Rebanhos
de Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa


Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.

Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.
Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.

E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),

É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.

Quando me sento a escrever versosOu, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas idéias,
Ou olhando para as minhas idéias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.

Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me vêem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predileta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer cousa natural —
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.

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