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A IRMÃ DE LEITE DA PRINCESA

Romance Histórico
Portugal, 1845-1913


autor
Jorge Francisco Martins de Freitas

Episódio 7

Uma terrível epidemia de cólera aflige, há vários meses, a Europa, o norte de África, o Canadá, os Estados Unidos da América e as Caraíbas. Os primeiros dois casos registados em Portugal haviam ocorrido em dezembro de 1853, junto à fronteira norte. Em maio do ano seguinte, começam a morrer pessoas por todo o país, tendo sido impostas severas medidas de quarentena.

O médico da corte restringe o acesso ao Palácio das Necessidades, a fim de proteger a família real e seus servidores desta epidemia que, em breve, se espalharia por outros países do mundo, incluindo o Brasil.

É neste dramático ambiente que D. Antónia comemora, junto do pai e irmãos, o décimo aniversário do seu nascimento. Maria Isabel é o único elemento fora da família real que participa neste evento.

Ao anoitecer desse dia, a irmã de leite da princesa festeja o seu próprio aniversário junto da mãe e de outras serviçais que não querem perder a oportunidade de se evidenciar junto de Maria Isabel, tentando tirar benefícios futuros do bom relacionamento desta com a família real.

Quando Ana Francisca fica sozinha com a sua filha, é informada que uma pessoa a aguarda junto à entrada do palácio. Dirige-se, de imediato, para o local, verificando tratar-se do mordomo da velha mansão onde ela se desloca com frequência.

— Menina, tenho uma triste notícia para lhe dar! – diz Bonifácio com a voz embargada pela dor. — O senhor está muito doente e deseja vê-la!

— Meu Deus! O que é que ele tem? – pergunta Ana Francisca muito aflita.

— O senhor está infetado com a varíola. Estão dois médicos a tratar dele!

— O pai já sabe que o filho está assim tão mal? – Pergunta Ana Francisca com lágrimas nos olhos.

— Sim, menina! O senhor Marquês já se encontra na mansão, ao pé do filho!

— E ele permite que eu o vá visitar?

— Permite, sim! Não quer contrariar aquela que talvez seja a última vontade do filho!

Com as lágrimas escoando cada vez mais abundantemente pelas suas doces faces, Ana Francisca diz:

— Eu acompanho o senhor Bonifácio, mas primeiro tenho de avisar a minha filha que vou sair.

— Com certeza, eu aguardo! – responde o velho mordomo.

Volvidos quinze minutos, Ana Francisca regressa, trajando o modesto vestido que usa sempre que sai à rua. O mordomo Bonifácio ajuda-a a subir para a charrete que trouxera até ao palácio e ambos se dirigem para a mansão do marquês.

Durante o caminho – que não demorará mais de cinco minutos a percorrer – Ana Francisca recorda o seu passado.

No dia em que completava catorze anos de idade, a senhora Luísa havia exigido que, como primeiro serviço, esfregasse o chão de pedra da enorme cozinha do palácio, tarefa muito desgastante por ser realizada com os joelhos no chão. Assim que termina esta dolorosa ocupação, surge à sua frente um jovem elegantemente trajado que lhe diz:

— Desculpe. Parece que me perdi. Onde é a Sala Azul?

— Se desejar, posso acompanhar vossa senhoria até perto dessa sala – responde Ana Francisca, com um aberto sorriso no rosto.

— Obrigado! Chamo-me Pedro. Sou filho do general Luís Xavier Mascarenhas de Noronha, Marquês de Marinhais. E a menina, como se chama?

— O meu nome é Ana Francisca – responde educadamente a serviçal.

Pedro fica imediatamente maravilhado com o angélico rosto de Ana Francisca. Esta, por seu lado, deixa-se encantar pelos serenos olhos do jovem, semiencobertos por revoltos caracóis descaídos sobre a testa.

Durante o breve percurso pelas dependências do palácio, permanecem em silencio, mas os olhares que trocam entre si revelam aquilo que milhares de palavras dificilmente conseguiriam transmitir: ambos sentem que estão a atravessar um momento mágico nas suas vidas que unirá o seu destino até à eternidade.

Despedem-se, a custo. Nas noites seguintes, têm dificuldade em adormecer. Ambos recordam os silenciosos momentos que haviam passado juntos.

Três meses mais tarde, o Marquês de Marinhais volta ao Palácio das Necessidades para participar numa audiência concedida por D. Maria II a oficiais superiores do exército. Pedro, mais uma vez, acompanha o pai na ida à corte, esperançado em se encontrar com Ana Francisca. Acaba por se cruzar com ela nos jardins. Sentam-se num recanto semiescondido e, após breves trocas de palavras, unem as mãos e beijam-se com ternura, o que constitui para ambos uma experiência pela qual nunca tinham passado.

Após vários encontros com Ana Francisca, Pedro, profundamente apaixonado, decide que está na altura de pedir ao pai autorização para se casar.

O marquês, que acabara de regressar de uma reunião, enverga ainda um majestoso traje militar repleto de medalhas. A sala de jantar, profusamente iluminada, ostenta ao centro uma longa mesa, já preparada para a ceia. D. Luís de Noronha senta-se num dos extremos, enquanto o filho, trajando uma elegante casaca abotoada com lustrosos botões dourados, ocupa o extremo oposto.

Duas idosas criadas, que já servem a família há décadas, começam a servir a ceia. Assim que elas saem para ir buscar o segundo prato à cozinha, Pedro dirige-se ao marquês:

— Meu pai, conheci numa das visitas que fizemos à corte uma moça com quem pretendo casar.

— A que família pertence essa moça? – pergunta, com curiosidade, o pai.

Com algum receio da atitude que o seu progenitor irá tomar, Pedro responde:

— Ela não tem família. O pai e a mãe já morreram.

— Então, quem é a responsável por ela?

— É a senhora Luísa, a chefe dos criados da família real.

— Ah sim!? – e ela também trabalha como criada?

— Trabalha sim, mas é muito formosa e educada!

Furioso, o Marquês de Marinhais, que ambicionava ver o filho consorciado com uma distinta jovem da alta nobreza, dá um violento murro na mesa e, com ar severo, eleva a voz, gritando:

— Nunca consentirei em tal casamento! Se a sua mãe ainda fosse viva, ficaria destroçada! O meu único filho, futuro Marquês de Marinhais quer casar-se com uma criada! Vá imediatamente para o seu quarto, antes que eu lhe dê um tabefe!

Desgostoso, Pedro abandona, de imediato, a sala de jantar, encaminhando-se, de cabeça baixa, para as luxuosas instalações onde dorme.

No dia seguinte, dirige-se ao Palácio das Necessidades para transmitir à sua amada que o pai não a aceita como nora.

A ambos só restam duas soluções: acabar com o namoro ou avançar para um relacionamento secreto. Acabam por decidir pela segunda hipótese. Com a conivência do velho mordomo, das duas criadas e da cozinheira, começam a encontrar-se, à noite, na mansão do pai de Pedro, sempre que este permanece longe de Lisboa, ao serviço do exército.

Com a mudança da família real para o Palácio de Belém, esses encontros passam a ser menos frequentes porque a distância entre a residência de ambos aumenta, não dando tempo a Ana Francisca de regressar antes da meia-noite às instalações da criadagem.

E é neste palácio à beira do rio Tejo que, a 17 de fevereiro de 1845, nasce Maria Isabel, fruto de um grande amor!

Pedro enveredara, entretanto, pela carreira militar. Como filho de um oficial superior, é-lhe atribuída, de imediato, a patente de tenente. Por várias vezes, o pai tenta casá-lo com filhas de nobres, mas este sempre recusa fazê-lo.

A charrete aproxima-se da mansão do Marquês de Marinhais, obrigando Ana Francisca a afastar do seu pensamento as recordações do passado.

A eterna companheira de Pedro entra no quarto do amado, onde tantas horas de felicidade havia passado na sua companhia. Pretende abraçá-lo, mas é impedida de o fazer pelos médicos e pelo pai, que se mantêm a alguma distância, tentando evitar o contacto direto com o moribundo.

Com lágrimas escorrendo pelo rosto desfigurado por horrendas lesões, Pedro ergue lentamente os braços na direção da única mulher que amara ao longo da vida:

— Ana Francisca, cuide muito bem da nossa filha Maria Isabel!

— Cuidarei, sim, meu amor! – responde a serviçal, tentando conter as lágrimas para não impressionar ainda mais o seu agonizante companheiro.

— Estive tantas vezes junto da minha filha e não pude beijá-la para que as pessoas não desconfiassem que eu sou o pai dela! Como eu sofri atrozmente com essa situação!

Após estas sentidas palavras, um pesado silêncio recai sobre o quarto, fazendo recordar a Ana Francisca o primeiro encontro que tivera com Pedro. Como então acontecera, os olhares trocados entre ambos têm maior significado que milhares de palavras que pudessem ser ditas, porque expressam os sentimentos mais profundos que habitam as suas dilaceradas almas!

Momentos mais tarde, o moribundo exala o último suspiro, deixando a sua perpétua amada de rastos e o pai profundamente abalado, pedindo perdão a Deus por ter impedido que esse grande amor se tivesse concretizado com um casamento abençoado pela Igreja.

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© Jorge Francisco Martins de Freitas.
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