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A IRMÃ DE LEITE DA PRINCESA

Romance Histórico
Portugal, 1845-1913


autor
Jorge Francisco Martins de Freitas

Episódio 8

Aos dez anos de idade, Maria Isabel havia-se tornado uma figura sempre presente no dia-a-dia da família real.

À delicadeza de trato, juntava uma esmerada educação que adquirira indiretamente ao estar presente em todas as sessões de estudo de D. Antónia e, mais tarde, nas inúmeras reuniões culturais que se realizavam na corte.

D. Fernando II aparentava deter por ela um afeto idêntico àquele que tinha a sua defunta esposa e os infantes já se haviam habituado à sua constante companhia.

Continuava, no entanto, a trajar modestamente, ocultando os seus formosos cabelos sob uma alva touca.

Quando faltavam dois dias para o infante D. Pedro completar 18 anos de idade, a filha de Ana Francisca cruza-se com o futuro monarca num dos corredores do palácio. Como sempre, cumprimenta-o com a mais elevada consideração:

— Bom dia! Como está Vossa Alteza?

— Estou bem! E a Maria Isabel, como vai?

— Estou bem, obrigada! No próximo domingo, Vossa Alteza será aclamado rei de Portugal. Sinto-me muito feliz por ser das primeiras pessoas a desejar ao meu futuro soberano as maiores felicidades! Irá ser um excelente monarca!

— Obrigado! Gostaria que se juntasse ao meu pai e aos meus irmãos e estivesse presente no juramento que irei fazer perante as Cortes.

— Será para mim uma grande honra! Agradeço muito o convite!

Naquela tarde, D. Fernando manda chamar à sua presença D. Antónia e Maria Isabel.

— Obrigado às duas, por terem vindo ter comigo! Como sabem, o meu filho D. Pedro será aclamado rei dentro de dois dias, estando presentes na cerimónia, para além dos deputados, altas individualidades do clero e da nobreza. Como o novo monarca me disse que gostaria que a Maria Isabel ficasse ao nosso lado durante este ato solene, peço à minha filha que me faça um favor.

— Diga, meu pai!

— A sua irmã de leite não possui trajes dignos para se apresentar nas cortes. Gostaria que lhe emprestasse um dos seus vestidos. Pode ser?

— Pode ser, sim, meu pai! Até lhe dou um dos meus trajes mais lindos! Já várias vezes o quis fazer, mas a mãe dela, a Ana Francisca, não achou próprio ela se vestir como uma princesa!

O monarca agradece a colaboração que a filha irá prestar e, voltando-se para Maria Isabel diz-lhe:

— Diga à sua mãe que dei a minha autorização para trajar esse vestido. Irei contactar também a antiga camareira da minha saudosa esposa para lhe fazer um penteado a condizer com o traje que irá levar.

Comovida com a atenção que o soberano lhe está a prestar, a filha de Ana Francisca não consegue conter as lágrimas de felicidade que lhe escorrem pelo rosto.

— Agradeço, do fundo do meu coração, a Vossa Majestade e também a D. Antónia.


Palácio das Necessidades

A 16 de setembro de 1855, vários coches reais encontram-se estacionados em frente ao Palácio das Necessidades, aguardando que a família real desça dos seus aposentos para ser conduzida até ao Palácio de São Bento, onde as cortes já se encontram reunidas para proceder à aclamação do novo soberano.

Trajando o elegante vestido que lhe havia sido ofertado por D. Antónia e ostentando o seu deslumbrante cabelo impecavelmente penteado, Maria Isabel emerge dos quartos da criadagem, tão atraente como uma bela princesa.

Ana Francisca olha para a filha com contida emoção, receosa dos comentários que os outros serviçais irão proferir, mas, para sua surpresa, até a chefe dos criados a elogia, pois, desde que ela se tornara tão próxima da família real, a senhora Luísa já lhe pedira, com êxito, que intercedesse por ela junto de D. Fernando II, na resolução de conflitos com os seus subordinados.


Palácio de São Bento
(Atual Assembleia da República)

Em breve, a comitiva real chega ao Palácio de São Bento, onde, após a implantação do regime liberal em 1834, se reúnem as Cortes Gerais da Nação.


Brasão da Câmara dos Senhores Deputados

A Sala de Sessões da Câmara dos Senhores Deputados, cada um deles representando uma região do país, apresenta-se repleta.


Maria Isabel

A presença de Maria Isabel não passa despercebida aos elementos da nobreza presentes nas galerias. Um deles, volta-se para o Marquês de Marinhais dizendo:

— Vossa senhoria vê aquela menina muito bem-trajada junto da família Real?

— Vejo, sim! Quem é?

— É filha de uma criada! Ao que isto chegou!

— E quem é essa criada?

— É a Ana Francisca! Trabalha no Palácio das Necessidades há muitos anos! Dizem que o pai da menina é um nobre, mas ninguém sabe quem é!

D. Luís de Noronha nunca mostrara, até ao momento, qualquer interesse em conhecer a Maria Isabel, mas, ao ver o excelente relacionamento que esta detém junto da família real, ocupando um lugar no hemiciclo mais destacado do que aquele que lhe fora destinado, fica com vontade de falar com ela, não obstante ter solicitado a Ana Francisca que oculte junto de todos os elementos da corte o nome do pai da criança.


A Mesa Telegráfica Bréguet, utilizada na inauguração da rede telegráfica elétrica em Portugal

No mesmo dia em que D. Pedro V presta juramento como rei, um importante progresso é inaugurado em Portugal: o telégrafo elétrico, ligando, em Lisboa, os ministérios do Terreiro do Paço, as Cortes e o Palácio das Necessidades e estabelecendo, ainda, uma junção a Sintra, tudo com uma extensão de 25 quilómetros.

Até esta data, era utilizado o telégrafo ótico que consistia numa sucessão de torres que, embora colocadas a grande distância umas das outras, possuíam a particularidade de cada uma delas poder visionar o sinal transmitido pela anterior, retransmitindo-o para a seguinte. Desta maneira, era possível enviar mensagens muito mais rapidamente do que o conseguido por homens a cavalo. Este método tinha, no entanto, um grande inconveniente: era lento e estava dependente das condições atmosféricas.

Em 1837, Samuel Morse inventa um sistema de envio de mensagens através de cabos elétricos aéreos, subterrâneos e submarinos. As letras do alfabeto, os números e os sinais de pontuação são transmitidos instantaneamente utilizando uma sequência de pontos, traços e espaços.

Esta inovação é introduzida em Portugal graças ao empenho de Fontes Pereira de Melo, ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria, tendo a sua execução ficado a cargo da empresa francesa Bréguet.

Apesar da sua grande importância, a inauguração do telégrafo passa praticamente despercebida aos jornais portugueses, mais preocupados em noticiar a aclamação do novo rei. Para além de uma pequena notícia no Jornal do Comércio, a única publicação que se refere detalhadamente a este importante acontecimento para o país é o jornal A Luta do Povo, através de um artigo escrito por Alfredo, o antigo moço da estrebaria da família real.

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Ligações aconselhadas


Museu das Comunicações

Notas
O retrato de Maria Isabel é adaptado de uma pintura de Jean Honoré Fragonar, intitulada A Leitora.

© Jorge Francisco Martins de Freitas.
Proibida a reprodução sem autorização prévia do autor.


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